Gestação e parto do vinho

De maneira simples e sucinta vamos falar sobre a elaboração de vinhos, sua gestação e parto.Quatro elementos são fundamentais na qualidade de um vinho: a uva, o solo, o clima e o homem (tecnologia).
Com relação às uvas, somente algumas delas – vitis viníferas, plantadas em alguns solos que oferecem sais minerais e outros componentes, em condições climáticas adequadas de calor, frio, sol e chuva harmoniosamente distribuída, é que podem possibilitar um grande vinho.
Cada cepa (casta ou tipo de uva) tem uma preferência específica por determinado solo, clima e região. Cabernet sauvignon, pinot noir, merlot, cabernet franc, syrah, sangiovese, baga, barbera, malbec, gamay, grenache, nebbiolo, tempranillo, touriga nacional constituem as principais variedades de uvas tintas. O reinado no mundo das tintas ainda pertence à cabernet sauvignon que vem cada vez mais sendo ameaçado pela syrah (típica do norte do Rhône), também conhecida como shiraz pelos australianos. Entre as variedades ou castas brancas temos: chardonnay, riesling, alvarinho, sauvignon blanc, gewustraminer, semillon, pinot blanc, moscato, chenin blanc, torrontés, arinto, entre outras. A chardonnay é considerada a rainha das uvas brancas. Particularmente, aprecio cada vez mais vinhos à base de riesling, principalmente alsacianos e grandes alemães estes últimos não tendo nada a ver com as “famosas” garrafas azuis, outrora tão populares em nosso meio.
A uva, como todo ser vivo, nasce diferente em cada país (a chardonnay da Borgonha é diferente da chardonnay da Argentina) ou no mesmo país nas diferentes regiões (a Chardonnay da Borgonha é diferente da chardonnay do Loire) dependendo de uma série de circunstâncias, por mais que na essência a composição genética seja semelhante.
Em se tratando de enologia - ciência que estuda todas as etapas na produção de vinhos - vinhas com dezenas de anos (vinhas velhas) podem propiciar estupendos exemplares. A mesma coisa diz respeito ao solo. Um solo aparentemente ruim como aquele rico em cascalho, ou areia, ou argila, ou calcário pode ser o de melhor para o desenvolvimento de uma uva. Em suma , condições hostis ao desenvolvimento da uva pode ser prejudicial a produção em termos quantitativos, porém em termos qualitativos pode ser favorecedora.
Da mesma forma que em uma gestação, muito líquido amniótico, ou pouco, pode comprometer a sua evolução; no desenvolvimento de uma uva a presença de muita ou pouca chuva (principalmente na época da colheita ou vindima) pode prejudicar a produção de um vinho. Nestes casos podemos nos deparar com vários problemas, como vinho turvo, chato (sem acidez), anêmico (falta de cor, álcool, aroma) etc.
Um dos conceitos mais usados em enologia do Velho Mundo é o de “terroir”. O que é o terroir? Em um artigo na “Revista de Vinhos” publicada em Portugal assim se definiu terroir: “Encosta ou várzea, rio ou planalto, xisto ou granito, vinha velha ou nova, touriga ou cabernet, clima quente ou temperado, com muita ou pouca chuva... É a toda esta imensidão de variáveis, que contribuem isoladamente e em conjunto para a personalidade de um vinho, que nós chamamos o terroir”.
Onde entra a mão do homem (enólogo)? O homem entra nesta “gestação/parto” com a sua sabedoria e todo o desenvolvimento tecnológico disponível: tanques de aço inox, prensas pneumáticas computadorizadas, aparelhos de controle de temperatura, etc. Por outro lado sabemos que da mesma maneira que um bom “parteiro” não deve interferir demasiadamente na gestação e trabalho de parto da mulher, em termos de elaboração de vinhos, o homem com a sua tecnologia pode não ser tão importante quanto a uva e o terroir. Os vinhateiros tradicionalistas ainda têm e terão sempre o seu lugar na história da enologia, porém conversando muito com os enólogos percebo uma afirmativa constante da parte deles que diz que “sem uma boa fruta (uva)”, pouca coisa pode ser feita.

Podemos dizer que, ao contrário do Velho Mundo (França, Itália, Espanha, Portugal, etc.), o Novo Mundo (Estados Unidos, Austrália, Argentina, Chile, Brasil, etc) não acredita no terroir, mas sim na intervenção humana. É lógico que esta generalização pode ser questionada e, perbemos também no Novo Mundo uma preocupação com o terroir. Os terroirs mais famosos do mundo são – La Romanée-Conti, Le Montrachet, Pauillac e Pomerol , porém existem tantos outros no Velho Mundo como no Novo Mundo onde eles vêm cada vez mais sendo valorizados e como exemplos de importantes terroir do Novo Mundo, podemos citar o Vale de Apalta no Chile, Las Compuertas na Argentina e Coonawarra na Austrália.

Não podemos nos esquecer do papel do Criador em mais este presente que nos deu, nós pobres mortais. Em uma crônica belíssima, o jornalista gaúcho José Manosso descreve que no “sétimo dia Deus fez a uva”. O filósofo Platão dizia que “o vinho é o mais belo presente que Deus fez aos homens”.

Dr. Gerson Lopes (Brasil)